Um dos principais vetores da alta da inflação e motivo de preocupação para a maioria da população, o preço da gasolina e de outros derivados do petróleo, como o gás de cozinha, tem subido de uma maneira que não é vista há décadas. Esta alta nos preços tem gerado muitos debates sobre quais seriam os motivos destes valores e qual a saída para diminuir o preço. Seria a redução dos impostos? Tabelamento pelo governo?
Essas e outras dúvidas nós vamos explicar neste artigo para você entender o que faz com que a gasolina atinja preços tão elevados e como funciona a tributação deste produto.
O que define o preço da gasolina?
O preço da gasolina é composto por diversos fatores, desde a macroeconomia mundial a decisões do posto de gasolina da rua da sua casa.
Em primeiro lugar, vamos entender o que compõe este preço, assim como o impostos sobre a gasolina.
A primeira “camada” do preço é o chamado preço de realização. Este preço é cobrado por aqueles que produzem o petróleo (no caso do Brasil, majoritariamente a Petrobrás) ou pelos importadores do petróleo. Em média, pode-se dizer que do valor total, esta camada representa 29%.
A segunda “camada” é a que se refere aos custos de adição do etanol anidro. A alteração de valores deste combustível, que compõe 27% da gasolina vendida para o cliente final, influencia o seu preço. A utilização do etanol na gasolina ocorre no Brasil desde 1993, determinada pelo art. 9º da Lei nº8.723/93. A quantidade indicada pela lei é de 22%, mas o percentual pode ser aumentado até o limite de 27,5%, de acordo com a alteração da lei em 2014.
A terceira camada é a dos impostos federais. O percentual representado por essa camada gira em torno de 11 a 16%, ele varia de acordo com o período apurado e com as fontes. Os tributos que incidem sobre a gasolina são PIS/PASEP, COFINS e CIDE. Os tributos federais são cobrados por valor fixo sobre o litro da gasolina e por isso também variam de acordo com o preço.
A quarta camada é a do imposto estadual, o ICMS. Neste caso o percentual representa cerca de 27% do valor final da gasolina e varia de estado para estado. A cobrança do ICMS é a que mais tem gerado polêmica devido aos embates entre o governo federal e os governadores, em um cabo de guerra para definir quem é o grande vilão na alta dos preços. Abaixo trataremos sobre o que de fato influencia nas oscilações de preços e de como a cobrança de tributos funciona.
Por fim, a quinta camada. Custos de distribuição e revenda. Aqui são somados os custos que envolvem o transporte deste produto desde o produtor (ou de seu terminal de importação) até o posto de gasolina. Neste aspecto, seria possível identificar alguma redução no preço em localidades próximas às refinarias, mas não é o que costuma ser percebido.
Neste artigo falamos de gasolina, mas é interessante especificar que cada combustível terá um custo diferente – seja na questão tributária (o diesel, por exemplo, teve a tributação federal zerada por meio de medida provisória. Ele já não é tributado pela CIDE e, com a MP, deixou de ser tributado pelo PIS e COFINS), seja na questão logística. Diferentes combustíveis exigem diferentes formas de transporte e armazenamento.
Compreendendo a forma como o preço é composto, torna- se mais fácil entender o que faz o preço subir ou descer. A política de preços do petróleo no Brasil, desde 2016 é guiada pela chamada política da paridade internacional de preços. Isso significa que alterações no câmbio do dólar ou do preço do barril internacionalmente serão utilizados para ajustar o preço do barril aqui. A justificativa para essa política (que é defendida por uns e duramente criticada por outros) é a de que isso torna a Petrobrás – empresa de capital aberto – mais competitiva no mercado internacional, tornando-a mais lucrativa para recuperar prejuízos advindos dos escândalos envolvendo o nome da empresa em passado recente.
Hoje os reajustes do preço de realização da Petrobrás são definidos pelo Grupo Executivo de Mercados e Preços, composto pelo diretor de refino e gás natural, o presidente da Petrobrás e o diretor financeiro e de relacionamento com investidores com base no mercado internacional.
Desse modo, o que reflete a subida de preços, principalmente da gasolina, mas também dos outros derivados do petróleo, é a situação política e econômica mundial. Uma das primeiras análises que pode ser feita é a pandemia mundial que reduziu súbita e drasticamente a demanda pelo petróleo. Com o lockdown afetando diversos países, paralisando ou reduzindo operações da indústria, comércio e serviços, houve uma diminuição na produção do combustível, de modo a equilibrar a oferta e a demanda e manter os preços. Após a paulatina retomada das atividades e reabertura da economia, a demanda voltou a subir, mas a produção não acompanhou. Assim, o preço subiu, pois a demanda passou a ser maior do que é produzido.
Outro fator que tende a alterar o preço da gasolina e outros derivados é o conflito entre a Rússia e a Ucrânia. A Rússia é um grande produtor deste combustível e com as sanções feitas a este país, é possível que se instale um cenário onde é barrado o envio de petróleo para países que não o apoie. É claro que este cenário representa uma via de mão dupla, pois a economia russa depende da exportação deste combustível, que é exportado majoritariamente para Europa e Ásia. Hoje, a realidade é a utilização de estoques reservas de barris de petróleo e autorização para aumento da produção diária.
Deste modo, o que percebemos é que o aumento da gasolina diz muito mais respeito à política de preços da Petrobrás e a geopolítica internacional do que os impostos estaduais incidentes sobre o combustível. Veremos abaixo quais são e como incidem estes impostos sobre a gasolina.
O que interfere nos impostos sobre a gasolina?
Os impostos sobre a gasolina, como vimos, são federais e estaduais. Portanto, diferentes fatores atuam sobre seus reajustes.
Impostos federais
Para que um imposto federal seja alterado é necessário que seja aprovada a alteração pelo Congresso Federal e sancionada pelo presidente da República. Hoje está em trâmite um projeto de lei que pretende zerar as contribuições federais sobre a gasolina, no caso do PIS e COFINS. Ano passado isso ocorreu com relação ao diesel, os tributos foram zerados por alguns meses.
O que prejudica o andamento deste projeto de lei é que ele é considerado como subsídio, o que não é permitido em ano eleitoral. Para que um projeto fosse aprovado nesse sentido, seria necessário decretação de estado de emergência, o que, a princípio, não seria o ideal.
Impostos estaduais
O imposto estadual cobrado sobre a gasolina é o ICMS. O que interfere no índice é a legislação estadual, cada estado determina o percentual que cobrará sobre o combustível e este percentual é aplicado sobre o valor de venda do produto. Assim, o que se observa nos últimos anos é que o percentual cobrado manteve-se relativamente estável enquanto o valor arrecadado subiu. A justificativa de muitos governadores com relação à redução da cobrança do imposto é o impacto da pandemia nas contas dos governos, que de maneira geral, já tendem a ser elastizadas para abarcar o orçamento. Além disso, o argumento é também o fato de que não houve aumento da alíquota e sim do preço praticado pela Petrobrás, assim não deveria recair tal responsabilidade sobre os estados.
Quais são os tributos sobre a gasolina?
Conforme abordamos acima, os tributos que incidem sobre a gasolina são:
- ICMS ( Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) – Estadual
- CIDE ( Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) – Federal.
Criado com a Lei nº 10.336/2001, ele é exigido dos produtores, formuladores e importadores. A destinação desta contribuição é, em grande parte, para projetos de infraestrutura da malha viária de estados e Distrito Federal, mas também é utilizado para criação de subsídios para combustíveis e criação de projetos e estudos ambientais.
- PIS/PASEP e COFINS– Contribuições destinadas à União, não sendo sua destinação compartilhada com estados e municípios. A destinação destas contribuições é a seguridade social. As siglas se referem a “Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público” e “Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social” e estão previstas na Lei nº 9.718/98
Como se dá o cálculo dos impostos sobre a gasolina?
O cálculo dependerá do tributo cobrado.
Uma das maiores críticas feitas à cobrança do ICMS é que ele é calculado sobre o valor de venda do produto. Disso resulta que, com o aumento dos preços pela Petrobrás, o valor de venda aumenta e a arrecadação também. O percentual na composição do preço pode permanecer o mesmo, mas começa a ficar cada vez mais significativo para o consumidor.
Há proposta de projeto de lei (PLP nº11/2020) para fixar um valor de cobrança do ICMS. Caso aprovada, a cobrança passará a ser parecida com a dos tributos federais: um valor em reais, fixo, sobre o litro da gasolina. Este valor seria determinado anualmente e consideraria a média dos valores praticados nos dois anos anteriores.
O que é o ICMS e como funciona?
O ICMS foi implementado no Brasil a partir da Lei Kandir, de 1996. Com esta lei os estados passaram a ter a competência para legislar sobre
“operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.”
De maneira simplificada, podemos dizer que ele incidirá quando a mercadoria circula entre empresas ou pessoas. Assim, por exemplo, quando a fábrica de papel vende à empresa X um quilograma de papel, há incidência de ICMS. Quando a empresa X revende este papel no varejo de sua cidade há novamente a incidência do ICMS, desta vez cobrado diretamente do consumidor. Por óbvio que a tributação não ocorre de maneira tão simplista na prática. Além de a tributação poder ser realizada de maneira diferente de acordo com o regime jurídico adotado pela empresa, também existem muitos conflitos entre os estados, quando as mercadorias transitam entre eles.
Outro ponto que merece destaque é que o ICMS hoje representa a maior geração de caixa para os governos estaduais, portanto, a alteração que se pretende fazer na alíquota, tornando-a fixa e igual entre os estados, não tem chance de ser apoiada pelos governadores e, provavelmente, não conseguirá ser aprovada pelo Congresso.
Como o ICMS afeta o preço da gasolina?
Vimos acima que a alíquota do ICMS tem permanecido congelada nos últimos anos. Por que, então, ele é considerado o vilão no preço da gasolina?
Ele afeta o preço da gasolina, como vimos, pois embora permaneça com a alíquota estagnada ao longo dos anos, por usar como base de cálculo o preço de venda, acaba representando um impacto maior no valor final do produto para o consumidor. Ou seja, ele poderia cobrar 10% sobre R$2,00 há cinco anos e cobrar os mesmo 10% hoje, mas agora o valor é R$4,00. A diferença real é de R$0,20 para R$0,40.
Por que o preço da gasolina muda de acordo com a região?
O preço da gasolina sofrerá variação regional em primeiro lugar por questões logísticas. Os custos de transporte e armazenamento do combustível são maiores quanto maior a distância do posto até a refinaria ou distribuidora.
Em segundo lugar, a variação da alíquota de ICMS interfere no valor que chegará ao consumidor final. Em São Paulo, por exemplo, a alíquota é de 25%, enquanto no Rio de Janeiro é 34%.
Por fim, não podemos nos esquecer que cada posto tem a liberdade para estabelecer o próprio preço e a formação de cartéis neste setor, a fim de manter o valor mais alto, é uma triste realidade.
Média nacional do impostos sobre a gasolina
Apesar de variável, o ICMS cobrado pelos estados fica entre 25% e 29%, sendo o Rio de Janeiro o estado com a alíquota mais alta, de 34%. Acompanhe algumas destas alíquotas, retiradas do site Instituto Combustível Legal.
Bahia: 28%
Distrito Federal: 28%
Mato Grosso: 25%
Minas Gerais: 29%
Paraná: 29%
Rio Grande do Sul : 25%
Como o impostos sobre a gasolina afetam as empresas?
A complexidade tributária brasileira é histórica. A cobrança de ICMS diferenciado em cada estado é mais um elemento dessa complexidade. Para as empresas que atuam no setor, desde o aspecto logístico e de armazenamento ao revendedor final, toda a cadeia sofre o impacto das cobranças de tributos.
Estes tributos também afetam empresas que não atuam no setor, de maneira indireta. Assim, percebe-se que, com o aumento dos combustíveis e a excessiva onerosidade tributária há um aumento nos custos de produção de todos os setores. Seja por conta de aumento no custo do transporte de mercadorias seja porque a própria matéria-prima começa a ter os preços inflacionados.
Como já afirmamos aqui, a tributação não é causa exclusiva do aumento do preço dos combustíveis, portanto compreender como funciona a cadeia produtiva deste combustível e entender como este preço é composto é fundamental para que possamos analisar melhor nossa própria realidade e conseguir traçar pontos de vista mais analíticos e estratégicos frente ao mercado, conseguindo, inclusive, antever contextos econômicos e políticos que podem interferir nos resultados de sua empresa.